A publicação de hoje abrange vários temas, mas o mais mencionado talvez seja o excesso de consumo. Não é nada de novo, nem algo sobre o qual eu nunca tenha escrito, mas desta vez abordo-o de outra forma. Mudam-se os tempos, mas não se mudam as vontades. Ou seja, apesar de vivermos muito mais no digital do que há 10 anos, continuamos a ser as mesmas; a ser humanas, a ter as nossas fraquezas, necessidades e desejos. E o desejo de consumir bate forte quando somos invadidas, 24 sobre 24 horas, com uma nova espécie que nasceu e cresce sem parar: as influenciadoras.

O que é uma influenciadora? Blogger não é certamente. Não tira fotos (tiram-lhe fotos), não escreve, e na maioria das vezes recorre a emojis na descrição das suas fotos de looks. Se parece que estou a ser dura, é porque talvez esteja. Ando nisto há algum tempo e aprecio bastante o trabalho de um boa blogger e/ou youtuber, onde sei que há, de facto, dedicação e até mesmo alguma entrega. Como é óbvio, nem todas as influenciadoras são distantes da sua audiência (!!), mas a verdade é que muitas o são. Sabemos o seu nome e, literalmente, pouco ou nada mais. “Ah e tal, mas eu só tenho a página para inspiração”, tudo bem. Talvez o problema esteja em mim e em eu gostar de “seguir” mais comunicadoras natas. Talvez também seja por isso que o Youtube seja a rede social que mais consumo. Há uma normalização e aceitação do impessoal nas criadoras de conteúdo sem background de blogosfera/ Youtube.

Em Portugal, parece haver um boom de influenciadoras todas copy-paste umas das outras. Não pode ser só do meu IG. Vestem-se todas de igual, recebem roupa das mesmas marcas e são todas extremamente novas, no início dos vintes. E isto, sim, deixa-me preocupada. Porque aqui entra e une-se outro tema: a realidade. Quantas raparigas de vinte e tal anos podem usar uma peça de 300€ apenas uma vez e não a repetir? Em boa verdade, vivemos num país pobre do sul da Europa. Somos da UE, mas podíamos não ser porque a realidade é que ninguém consegue começar a trabalhar, arranjar casa, pagar renda e ter vida se não tiver apoio familiar. Quanto mais, comprar roupa como quem compra rebuçados.

Sair de Lisboa, viver em casa própria e não pagar renda, fez de mim, automaticamente, “livre”. O já não gastar dinheiro em ubers e apps de estafetas, idem. Lembro-me de estar deitada no meu quarto, com vista para a ponte, a sonhar com uns sapatos Carel. Lembro-me de achar impensável alguma vez dar tanto dinheiro por uma peça. Mas lá estava eu, em Lisboa, a gastar quase o mesmo em ubers e idas a cafés hipsters.

Não sei como ordenar todos os pensamentos que tenho e tanto quero pôr em palavras. Temos as prioridades trocadas? Sabemos sequer quais são as nossas prioridades? Eu agora sei. Sei que o que eu fazia em Lisboa posso fazer, de facto, em qualquer lugar. Sei que é na capital que estão as grandes oportunidades de emprego, mas é também lá que moram quase todos os demónios. Digo quase todos porque uns vivem dentro de nós. Crescem connosco, tornam-se parte da nossa pessoa, consomem-nos a energia, quase a alma. O meu demónio é compensado com o consumo de roupa. Permito-me a esse luxo por me punir diariamente sem proteção possível porque já é maior do que eu.

Para todas as que me escrevem “Hella, como eu queria o teu closet!!!”, quero contar-vos um segredo; se ter o meu guarda-roupa significar ter também a minha bagagem emocional, fujam a sete pés. Ou fiquem comigo, porque já sabem que mais tarde ou mais cedo, venderei algumas das peças que gostam.

Agora, da janela do meu quarto já não vejo a ponte. A estrada agora é corrida, sem interrupções, só intempéries da mente.

Quem nos fez assim vaidosas? É que eu, enquanto escrevo, recebi uma notificação da Sandro e já quero ir ao site. O consumismo é deveras algo que preciso de exorcizar. Calha bem estar a chegar outubro.

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