O tema de hoje é algo controverso, mas cada vez mais um assunto a precisar de ser falado, discutido e questionado. Será que boicotar o fast fashion é um privilégio? Vou expressar-me melhor; será que só quem tem poder de compra poderá, decididamente boicotar e parar de consumir fast fashion? Será impossível para uma pessoa com um salário/posses mais reduzidas, manter um guarda-roupa guarnecido de peças sustentáveis? Peças feitas e produzidas de forma ética, ou seja, com horários de trabalho e salários dignos de serem revelados de forma transparente.
Comecei a comprar marcas de nicho no ano de 2020. Dei comigo a procurar cada vez mais não marcas de designer super luxo, mas marcas de nicho, pequenas empresas, de pessoas (maioritariamente mulheres) que conduzem marcas pensadas ao pormenor, com uma ética muito própria e uma identidade muito singular. A mão de obra é oriunda de países europeus, nomeadamente Portugal, Espanha e Itália e os materiais são melhores. Logo, não só estou a comprar qualidade de produto como sei que estou a participar na emancipação de pequenas empresas incapazes de competir com preços de marcas fast fashion e de ultra fast fashion.
É assustador perceber que existem charriots infinitos de peças de roupa com preços reduzidos a 2 e 3 euros em lojas como a Primark. Como é possível conseguir que um artigo seja vendido a um preço de um bolo de café? Pior, como é possível a matéria-prima mais a mão de obra, mais a importação do produto ainda terem lucro sendo vendida uma camisola a 2€?
O problema, para mim, não são as pessoas que só podem adquirir peças a este preço. O problema gigante reside na quantidade de pessoas que, apesar de poder comprar mais sustentavelmente, escolhe consumir sem moderação, quilos mensais de roupa em lojas assim.
Plataformas como o TikTok e o Youtube são uma porta aberta para a quantidade de hauls que vemos a nova geração fazer. “Gastei mil dólares na Shein” e segue-se um vídeo com mil looks, uma quantidade absurda de roupa produzida de forma precária e, claramente, clandestina.
Essas pessoas que têm os mil euros prontos a serem usados de forma tão fácil, são o verdadeiro problema. Porque são elas mesmas que têm a voz e o dinheiro para quebrar o ciclo. Mas, seremos nós, na maioria, apenas viciadas em comprar? Comprar porque sim, comprar sem razão, sem necessidade ou sequer intenção real de usar sem ser para uma mera foto do dia no IG?
Sabem-me muito consumidora, não sou a pessoa idónea para debater o assunto compras, mas sou uma criadora de conteúdos e, como tal, tenho o dever de passar esta mensagem; podendo, é comprar menos e melhor.
Cada vez mais sinto que o repetir roupa é algo que me satisfaz e dá prazer. Porque repito uma peça que me custou dinheiro, que de facto me vejo a guardar no roupeiro por anos até, talvez, a revender.
E aqui entra outra nuance, o comprar em segunda mão, o comprar vintage, o comprar em platafarmas como a Vestiaire, a Vinted, etc. É de facto possível comprar roupa de forma consciente. É, talvez, uma assunto que não interesse a todas, mas é, com certeza, possível. E também é possível comprar na Zara e comprar de forma consciente. Se uma pessoa comprar um sobretudo na Zara e o usar durante 4 invernos, foi então uma compra consciente e positiva. Mas, se comprarmos 5 casacos, em saldos, e os deixarmos pendurados no cabide à espera que a inspiração para usar os mesmos chegue, então esta compra foi vítima da fraqueza que estes monstros do vestuário nos incutem sem nos apercebermos.
Todos querem fazer dinheiro. Todos podem fazer dinheiro. O mundo está cheio dele. O que falta é bom senso, equilíbrio e regras. Pudesse eu fazer mais e faria. Por enquanto, continuo a comprar muito, eu adoro comprar e, pela minha parte, a economia circula ( e tanto posso rir ou chorar com isto). Mas garanto-vos que 80% do que compro é já fruto de uma disciplina que me obriguei a ter. E eu gosto disto, de virar a sola das botas e ver escrito Made in Portugal. Dá-me alguma sensação de paz, não sei explicar-vos, talvez seja tão hipócrita como qualquer outra pessoa que fala do mesmo tema e acabou de sair da H&M com um saco recheado de coisas que não precisa.
Mas hipócrita ou não, uma coisa é certa, estou no bom caminho, estou a aprender e a ler sobre o assunto. E mais; quem me segue, sabe que tenho o @Hellascloset no IG. Eu só compro coisas com dinheiro de roupa que vendo lá. E esta?! Ah pois é! Uma economia circular que me traz algum bom senso à carteira e ao roupeiro.
Não vamos ser fundamentalistas, mas vamos (porque podemos) ser mais ponderadas, sensatas e amigas do ambiente. Porque no fim do dia é ele quem mas sofre com tudo isto.
(Leonardo would be proud!!!)
Para além do fast fashion, aprendi que existe o ultra fast fashion. Afinal a Zara não é o maior monstro, nem o papão, nem nada que o valhe comparada com marcas como a PrettyLittleThing, a Shein, a Fashion Nova e mesmo a ASOS. Marcas que semanalmente acrescentam milharares (!!) de novas peças às suas coleções. Já eliminei a app da ASOS do meu iphone e, parecendo que não, reparo que já vendi quase tudo o que tinha da marca. Continuo a consumir marcas consideradas fast fashion, contudo, vejo que claramente a minha postura mudou. Os saldos começaram e eu corri as apps da Zara, da Mango, da Oysho e da Urban Outfitters e não comprei nada. Se não for paixão, não gasto lá dinheiro. A minha última compra foi um par de botas da Jonak Paris, uma marca que não é de luxo, mas que pratica preços bastante mais elevados. Tenho 5 pares e são todos Made in Portugal.
Por isso, à pergunta “será o boicote ao fast fashion um privilégio?” a resposta é: sim. É um privilégio poder escolher onde compramos. É também, nos dias e hoje, um bocado comodismo, pois, como referi, as plataformas de comprar vestuário sustentável crescem de dia para dia. Mas no fim do dia é mesmo um privilégio e o problema reside em quem, por opção, continua a comprar barato para usar e não repetir. (Hey, eu agora quando faço isto vendo, ok?! Uma mulher tem o direito de arrepender-se de uma compra e mudar de opinião)
Estamos todas a aprender. Somos fruto de uma geração que cresceu com isto; crescemos com a Zara, gastávamos a mesada na Zara e, no fim do dia, ninguém age por maldade ou insensatez consciente. Apenas, às vezes, não sabemos que, no fundo, somos só meramente vítimas de um ciclo vicioso de consumo. É um vício, é um escape, é a vida normal de um país de primeiro mundo.