Ponderei muito se partilharia ou não esta história com vocês. Primeiro porque acho que é extremamente pessoal, depois porque achei que podia ser irrelevante, depois achei que vocês podiam achar que me estava a fazer de coitadinha e, no limite, que iriam sentir pena de mim. Ouçam o que vos digo, pena temos dos fracos, dos maus e dos pobres de espírito. Eu sou o oposto disso tudo. Vive em mim amor, força e gratidão. Gratidão por ter podido viver, crescer e evoluir com tudo isto. O que me aconteceu mudou-me, tornou-me mais humilde e mais completa. E é neste âmbito que partilho o meu testemunho. Nem sempre tudo corre como as pessoas nos fazem acreditar que sim. Todos os exemplos que ouvia, relatavam maravilhas e facilidades infinitas ao fazer um aumento mamário. Mas guess what? Ninguém partilha quando dá para o torto, quando corre mal, quando há merda. Por isso, cá vamos. Agora sim, apertem os cintos que esta história não é de fadas mas no fim, acaba bem.

Já vos falei várias vezes dos meus problemas com a aceitação corporal. Tive algumas fases que sim, que me aceitei. Fases que até gostei! Imaginem, gostei. Olhava ao espelho e gostava de mim. Mas se for olhar bem, olhar com olhos de ver, e remexer no baú das memórias, eram as pessoas com as quais me dava que me faziam gostar de mim. Hoje, adulta, mais sábia (mas não menos tola) sei que é essencial nos rodearmos das pessoas certas. Porque as pessoas certas salvam-nos.

Corria o ano de 2014 e eu, não estava com as pessoas certas. E qual a soma de “pessoas erradas” + “problemas com a imagem”? Deslize, culpabilização e procura de escape.

Após reflectir com quem não de dever, concluí que a solução era pôr peito. Tinha de ser, era claro e evidente! “Eu sempre tive complexos desde a minha adolescência”, é isso! O pôr peito iria solucionar tudo. Eu iria finalmente gostar de mim,  sentir-me mais mulher, mais sexy e, evidentemente, mais confiante.

E assim foi, procurei um cirurgião, adorei o trabalho dele e o trabalho que tinha feito numa amiga e avançámos. Concluídos todos os exames necessários, estava tudo ok para avançar e, dia 28 de Janeiro de 2015 caminhei eu para o dia que achava que ia ser “o dia mais feliz da minha vida”.
Já vos disse que faço alergia a tudo, a praticamente tudo? Pois. Deram-me paracetamol e acordei que era um peixe-balão. Mal conseguia respirar, cara inchada, olhos inchados ao ponto de não conseguir ver e, a sentir todas as dores porque a droga paracetamol não me faz efeito.
“Parece que me cortaram viva” pensava eu. E cortaram, a prótese foi colocada debaixo do músculo (opção minha para fazer efeito gota) e as dores eram indescritíveis.

Dores à parte, tudo parecia correr bem… As maminhas estavam lá, bonitas, em forma de gota, perfeitas. E a vaidade supera tudo. A dor era aguentada com lágrimas de bravura e tudo me parecia uma questão de tempo até a minha vida voltar ao normal.

Como estava eu enganada. Por não poder tomar nada para as dores, não conseguia, também, fazer nada. O simples acto de levar um talher à boca parecia que me ia fazer explodir os músculos.  As dores eram mesmo insuportáveis. A minha mãe mudou-se para minha casa e eu fiquei privada da minha autonomia e autossuficiência. Banho, wc, vestir-me, levantar-me… Para tudo isto eu precisava de ajuda.

Na verdade demorou muito até à minha vida voltar ao normal. A mama esquerda estava óptima mas a direita sempre a senti estranha. Em meados de Abril começou a ficar muito quente, inchada e com um ponto a querer ceder. Esse ponto tornou-se numa pequena bolinha negra que rebentou. Estive quase 2 meses a antibióticos e a mudar de pensos diariamente (6 vezes por dia, às vezes mais) e não havia maneira daquele líquido parar de sair e da infecção se curar.
Muitas vezes, só com gelo conseguia suportar o tão quente que a ela estava. Parecia humanamente impossível ter uma parte do corpo àquela temperatura. Ao fim de mês e meio nisto, foi inevitavél, tinha de ir novamente à faca. Marcámos bloco e no dia 25 de Maio retirou-se a prótese. Foi devidamente desinfectada e voltada a colocar. O pós-operatório foi todo feito sem analgésicos, mas muitos antibióticos porque havia sempre o receio que a infecção voltasse.

Tudo nos fazia crer que a infecção tinha sido controlada. Um mês havia passado e…. Nada de alarmante aconteceu. Mas, como há sempre sempre (sempre) tantos mas, a bolinha voltou, o líquido voltou e aí sabíamos, esta infecção não iria ser fácil de travar. Era necessário remover a prótese de vez e deixar o corpo curar-se, sozinho, sem a prótese, sem nada.
E assim foi, no dia 17 de Julho caminhei novamente para o bloco e retirou-se o implante. Não quis anestesia geral. Como estava eu farta de anestesias gerais!! Fizemos só anestesia local e, de olhos fechados mas ouvidos atentos a minha prótese foi removida. Fui cosida e estava um monstro. Uma mama gigante do lado esquerdo, uma mama recta do lado direito. Logo após a cirurgia mudámos de sala e foi altura de experimentar várias próteses externas para ver qual se assemelhava melhor em forma e tamanho à minha outra (e saudável) mama. Teria de usar esta prótese externa até acharmos seguro voltar a fazer a quarta e última cirurgia.  Isto seria no mínimo 3 meses.

Estávamos no Verão, e seria o meu primeiro Verão com maminhas. Tantos tinham sido os sonhos, finalmente usar um biquíni sem ser almofadado, usar finalmente um decote… Tudo por água abaixo. Passei um Verão a tentar encontrar o soutien perfeito para a prótese não cair. (porque aconteceu) E o soutien perfeito foi encontrado! Os maravilhosos soutiens de amamentar com bolsinha e clip. Conseguia segurar a minha maminha externa e… Imaginem, enganei-vos a todos! Posts no blog, posts no Instagram. La estava eu, a sorrir e morta por dentro, porque sabia que no fim do dia, ia chegar a casa, tirar a prótese, olhar-me ao espelho e parar de fingir.
O mais difícil era sempre o banho. Tinha de tocar no meu corpo, sentir a sua deformidade que era, também, sinónimo de resiliência e respeito. Eu estava a respeitar o meu corpo, estava a dar-lhe tempo para sarar.

Consegui descobrir 2 biquínis nos quais conseguia encaixar bem a prótese e, aí soube, eu não ia ser a vítima. Nunca mais, eu ia ser vítima. Nesse Verão, desfilei com a Billabong Portugal no Mundial de Surf feminino em Carcavelos, fui a Paris e fui a Mykonos tudo com uma prótese sempre no “vai que não vai que pode cair”. Mas nunca caiu.

Disse-vos que entretanto a pessoa que estava comigo me deixou, em Agosto, para ir viajar com o seu novo amor? Eu sei, super novela mexicana, right? Mas é Interessante isto das redes sociais e o masoquismo humano. Eu, deitada na cama a ver a vida dos outros, a dele, a dela, a minha. Perguntei muitas vezes: Porquê eu? Mas também perguntei: Porque não eu? Ainda bem que fui eu. Estava tão vidrada a procurar a perfeição que fui forçada a perceber que não era com cirurgias que lá iria chegar. Porque acreditem em mim, se tivesse corrido tudo bem à primeira, eu teria feito logo a seguir uma rinoplastia e depois mexia nos lábios…. E nunca iria parar.

Se neste momento se perguntam ou questionam a qualidade do meu cirurgião, não o façam. Foi uma bactéria em bloco. Quando um corpo vai ao bisturi ninguém está livre de apanhar uma bactéria. Só não acontece a cirurgiões que não trabalham. O meu médico recebia-me 3 vezes ou mais por semana, e às vezes, eu ia lá só para chorar. E também ele chorou comigo. Olhou-me nos olhos e disse “acredita no que te digo Joana. De todas as pessoas que operei, eras a última a quem eu queria que uma coisa destas tivesse acontecido”.

O 16 de Outubro foi o dia da última cirurgia e onde colocámos o implante novo. Mas nem esta última e final etapa me foi poupada. Deram-me Cetorolac, um analgésico apenas usado em bloco e que, como tal, não estava na minha ficha da medicação que não podia fazer. Resultado, fiz um choque anafilático. Acordaram-me à força da anestesia, entubaram-me e gritaram-me “ouve-me”, “fica comigo”. Tinha 8 cabeças em cima de mim e fiquei 6h nos cuidados intensivos.

Final do capítulo; À quarta foi de vez. Ficou tudo bem!  As minhas maminhas são lindas, são mesmo. Tenho muito respeito por tudo o que passámos juntas. Sinto que são mais minhas do que se tivessem nascido comigo. As cicatrizes delas são as minhas cicatrizes e as minhas cicatrizes são a minha história.

Eu tenho mesmo muita sorte. Já tinha, mas tive de cair com ela, chorar com ela, levantar-me, dar-lhe a mão e dizer: Vamos? E fomos.

Ilustração ETSU