Quis dar algum tempo para vos falar deste filme, mas se mesmo assim ainda não o viram, atenção: tem spoilers!

Sem dúvida, é, para mim, o filme do ano!!! A história, as interpretações, a violência e pormenores horripilantes, fazem do mesmo uma obra prima do Terror moderno.

Primeiro: a fotografia (levanto a mão direita e faço um chef’s kiss). As cores, os ângulos e a riqueza das referências aos gigantes do cinema são inúmeras. Mas para esse tipo de review, temos vídeos fora no youtube com pessoas mais qualificadas para falar da sétima arte do que eu.

Vamos ao que interessa: qual é o tema do filme e por que razão me assombra desde que o vi?

A personagem da Demi Moore, a Elizabeth Sparkle, é uma celebridade com 50 anos, outrora no auge e agora com um programa de fitness na TV.  Problema: a produção quer mudar o formato, o patrão quer substituí-la por alguém mais jovem, mais atraente, mais de encontro ao que o público quer.

Somos deparadas imensas vezes com uma sensação familiar sempre que ela se olha ao espelho. Nestas cenas, na casa de banho, encontramo-la nua e a julgar-se com o próprio olhar. Os diálogos são escassos, mas os olhos dizem-nos tudo. A Demi Moore está perfeita. Enquanto se observa detalhadamente, conseguimos sentir a culpa associada ao envelhecimento natural do corpo. Como se o mesmo nos falhasse. Mas vai para além disso; todas conseguimos ver que a Elizabeth é uma mulher lindíssima, mas as cenas são tão intimistas que é impossível julgá-la. Todas nos revemos no seu papel, todas vemos versões exageradas dos nossos defeitos e todas sentimos a pressão da idade. Por isso, quando lhe é possível injectar-se com a substância, não há qualquer julgamento da parte da audiência. Será que o faríamos?! Não sabemos, mas percebemos o seu lado e, com pena e esperança, esperamos que alcance a virtuosa juventude novamente.

Obviamente que as coisas não seguem o percurso esperado. A Sue, a sua versão jovem, desrespeita o equilíbrio e abusa das tomas diárias (é obrigatório elas substituirem-se de 7 em 7 dias). Por cada dia a mais retirado à Elizabeth, o seu corpo original envelhece um pouco mais, ao ponto de ela ficar desfigurada, careca, corcunda e arrependida. Não há como voltar atrás e, claramente, já não são uma, mas duas mulheres a competirem entre si. A Elizabeth quer acabar a experiência e matar a Sue, mas é esta que acaba por matar a primeira. Tudo com uma violência visual digna de um top 5 de melhores filmes de terror!!

Mas vou-me focar no que o filme representou para mim. A aceitação do nosso corpo, a aceitação plena da nossa condição. Vivemos numa sociedade na qual somos bombardeadas diariamente com novos produtos, procedimentos estéticos super invasivos que nos são dourados como inofensivos. É uma sociedade doente, obcecada com a eterna juventude onde uma linha de expressão vira uma ruga de 7cm de profundidade e há a necessidade de a preencher com filler, botox e todas as substâncias que nos tornam cada vez menos humanas e mais clones.

A obsessão pela imagem perfeita é tão doentia que nos esquecemos do nosso propósito nesta vida. A Elizabeth, mesmo perdendo o seu programa de TV, continuava uma mulher bonita e inspiradora, desejada pelo homem (mulher) comum. O filme mostra-nos como o nosso ego nos rouba a felicidade e apreciação por TODAS as outras particularidades que fazem de nós especiais.

Revi-me porque eu caí nesta armadilha está quase a fazer 10 anos. E agora tenho cicatrizes para a vida que me lembram que nunca ninguém, só eu, via um defeito em mim. O tamanho das minhas mamas não era suficiente… e pergunto-me: se tivesse corrido tudo bem, qual seria o meu próximo passo, o que mudaria eu de seguida? Quando estaria eu verdadeiramente satisfeita com a minha imagem? Afirmo com certeza plena e de coração cheio: nunca.

E jamais será através da mudança do nosso exterior que alcançaremos a felicidade. Porque parte de sermos felizes vai de encontro ao nos sentirmos realizadas, e é impossível alcançar a cura interna, com agrafos externos.

Tenho pensado tanto neste filme, na violência que as mulheres estão dispostas a sujeitar-se em prol da imagem perfeita. Vou ser má, mas acho que preciso de o ser… O que a maioria considera bonito, eu acho assustador. Estamos a perder a singularidade, todas têm o mesmo nariz, os mesmos olhos, os mesmos lábios e os mesmos dentes cor de frigorífico. Parece um episódio eterno da Black Mirror. Este filme violento trouxe-me tanta paz!! Que contradição maravilhosa, que liberdade ser diferente, única e que privilégio é envelhecer.

Tão perto dos 43, a única certeza que tenho é esta: não me acho bonita, mas aceito-me assim. Já me aceitei. Fiz as pazes com o meu corpo, com o meu nariz.. e esta paz tem um nome: sossego.

Vejam o filme!!! E boa semana a todas <3

Previous post