Sempre quis escrever um livro. Nunca soube bem sobre o quê, poderia ser de poemas, contos infantis ou mesmo de fotografia. Acho que quero apenas fazê-lo pelo simples amor à escrita e a todas as emoções que sinto quando seguro num conjunto de palavras abraçadas por uma capa rígida. Mas a ideia de escrever um livro sobre a minha própria pessoa parece-me mais egocêntrica do que assustadora.

Escrever sobre mim? Ok que tenho imensas peripécias e todos os dias são a perfeita simbiose do inesperado com a sorte. Mas, escrever um livro?

Eis-me sentada, pernas cruzadas, olhos fixos no ecrã, decidida a tornar real 38 anos de aventuras e ensinamentos. Neste caso, decidi que, por agora, ainda não em livro, mas em artigos no blog. 

A minha vida, apesar de aparentar o oposto, não tem sido fácil, e eu sempre soube que não o seria. Mas, no limite, não tem sido aborrecida, isso não tem mesmo. Não acreditam? Neste momento tenho medo, adrenalina e medo. Mas cá vamos nós, apertem os cintos, o capítulo I é fofinho e isento de maldades. Palavra de não escritora publicada. 

Sempre senti que era diferente. Cá vamos nós… Miúda, todos sentimos isso. Mas na verdade sentia mesmo, era mais sensível, mais ausente, gostava da solidão mas apesar dela, a atenção sempre me cativou. Sempre gostei de ser o centro de tudo, de tomar rédeas de brincadeiras, conversas e, mais tarde, ideias. 
A minha mãe conta que, com 3 anos de idade, enquanto ia comprar sapatos me levava consigo e eu ficava sentada, e quieta, sem gesticular ou a embaraçar.
 Não, eu não tinha nenhum tipo de problema (achava eu), já deveria era ter interesse no tema sapatos e compras e, como tal, já apreciava o acto de embelezamento.
 Ainda com a tenra idade de 3 anos, reza a história que ficava a chorar em frente da máquina de lavar a roupa até que as saias e vestidos que gostava, de lá saíssem. Recusava-me a vestir calças e recusava-me ainda (e isto lembro-me) de ir de fato de treino para a escola. Mesmo que fosse logo ter Educação Física, iria vestida com a minha roupa e mudaria no balneário para a terrível farda desportiva composta por calças de algodão e sweatshirt.
 Era difícil ser eu, ainda o é, mas agora eu sou adulta. Achava que ninguém conseguia brincar verdadeiramente como eu, que ninguém tinha a minha imaginação nem conseguia viajar, com a mente, para os lugares que eu viajava enquanto brincávamos.

Sinto que entrei no mundo da moda a brincar com as Barbies. Era a minha boneca preferida. Eu, e a minha melhor amiga Joana, fazíamos roupas para as nossas bonecas com restos de collans de renda da minha mãe. Pedaços de tecidos, tudo. Conseguíamos fazer verdadeiros desfiles de modelos com as Barbies. A Joana tinha a casa Chanel, e eu, tinha a casa Yves Saint Laurent. Era maravilhoso, se fechar os olhos, imagino os coordenados feitos com tanto amor, e consigo sentir-me a vestir as bonecas, a pentea-las e a dar-lhes nomes.
 Foi mesmo assim que começou. Posto isto, é lógico que encontrava na Barbie o meu ideal de beleza feminina. Alta, magra, com peito, loura, independente e com mil profissões.
 Brincámos com a mesma família de bonecos para mais de 8 anos. Durante 8 anos, todos os bonecos tinham a mesma idade, as mesmas tarefas, as mesmas personalidades. Brincar era fugir ao mundo real. Aos fins de semana, acordava às 6 da manhã, comia os cereais e já estava pronta para mais uma maratona de Barbieland. A Joana morava na rua acima, mas mesmo assim, a maior parte das vezes, dormia comigo para não perdermos tempo na nossa magnífica demanda de criar aventuras para a nossa família.
 Eu brinquei até aos 14 anos. Posso dizer que a minha infância foi longa e bem vivida. Os rapazes eram todos palermas e namorar ainda não me despertava qualquer interesse ou relevância. Parecia-me só uma carga de trabalhos aturar um rapaz suado após jogar à bola.

Com a chegada da adolescência, muita coisa mudou. Comecei a perceber-me que o meu corpo não era igual. Já não era só a minha mente. O espelho revelava-me a minha pior inimiga diariamente, eu. Crescer não estava a ser como as revistas e as minhas próprias bonecas me haviam mostrado. 
Crescer estava a ser extremamente difícil. Se acham que, hoje, as raparigas crescem com padrões irreais de beleza, nos anos 90 a coisa era mais suave mas, na mesma, intensa.
Foi o auge das supermodelos e eu idolatrava todas. Naomi Campbell, Linda Evangelista, Christy Turlington, Carla Bruni, Cindy Crawford, Amber Valletta, Claudia Schiffer e, entre tantas outras, a inabalável Kate Moss. Era este o padrão de beleza. Magra, quase andrógena, e com um estilo incontornável e autêntico.

Tinha uma imagem da Kate no interior do meu armário. Ainda a tenho na casa da minha mãe. Era ela numa campanha da Calvin Klein. Blue jeans, white tee… A perfeição.

Se agora as adolescentes sonham com lip fillers, fotos perfeitas no Instagram e proporções irreais de rabos, back in the 90’s era tudo sobre autenticidade e diferença. Ninguém queria ser igual. A individualidade foi algo sempre muito marcado no meu crescimento. Andar numa escola pública nos subúrbios de Lisboa ajudou, mas ter podido crescer nos anos 90 foi um privilégio que guardo com orgulho.
 Para onde foi o “Be yourself, everyone else is already taken”? A adolescência nos 90’s era muito mais complicada de transmitir em roupa. Primeiro, a oferta de lojas cool era mínima. Havia a Zara, a Profírios e, talvez, mais 1 ou 2. As lojas online ainda não eram sequer imagináveis e a única solução, para quem não viajava, era comprar roupa na A Outra Face da Lua, personalizar as próprias gangas e tingir camisolas (hello Tie dye) ou mandar fazer.
 Aqui, a minha tia Celeste era a minha melhor amiga. “Tia estás a ver esta saia? E este top? Quero igual”. E lá íamos nós adquirir o tecido e linha e transformar real o sonho de uma imagem da Elle. 
Como fui sempre pouco mainstream, encontrava bastante ajuda em lojas góticas e mais underground. Conseguia com pequenos apontamentos, tornar cada coordenado diferente. E, já aqui, a moda tinha um peso gigante no meu dia a dia. A roupa era escolhida no dia anterior e era essencial ser feminina, sexy, mas não vulgar. Primeiro porque nunca foi a “minha cena”, segundo porque de facto, sempre quis, com a roupa, transmitir ao máximo a minha essência e a minha alma assumidamente damaged. (Vénias ao maravilhoso Grunge que cresceu comigo) 
Basicamente, era só imaginar que era uma cantora famosa de uma banda de rock e esse era o meu mood para a escolha do outfit.
 Shirley Manson, Courtney Love, Kim Gordon e Stevie Nicks. Entre muitas artistas, as minhas musas inspiradoras eram arrojadas, donas de si, e a suprema definição de Influencers.

Como já perceberam até aqui, a música era a minha inspiração número um. Para além da música, a escrita, mais nomeadamente a poesia, fazia parte do meu quotidiano. 
Eu escrevia poemas diariamente e lia-os, ainda, com mais fervor. Fui uma adolescente que questionei sempre tudo, o mundo era um lugar injusto, as pessoas eram feias (na única maneira que se pode ser verdadeiramente feio; No interior) e a sede de mudar a humanidade co-habitava comigo. Isto, sempre, usando a roupa indicada para a minha revolta.
Do quarto para o mundo, a minha vontade de comunicar através da moda alargou-se e ganhou asas com o aparecimento da internet. Estou há 20 anos a partilhar os meus looks e a paixão pela fotografia. Tudo começou no DeviantArt, depois veio o MySpace e, em 2009, o Blog. 
Com o AmberHella descobri que podia não só, diariamente, escrever, como dar a minha opinião e ser ouvida. Tinha o Mundo todo no meu quarto e eu fazia, mais que nunca, parte dele. E tudo mudou.

Ilustrações LutjeAnna